O objeto de estudo em Psicomotricidade

Observa-se que na definição de Psicomotricidade proposta pela Associação Brasileira de Psicomotricidade - ABP, estão presentes algumas palavras chaves, a citar: corpo; movimento; mundo interno e mundo externo (ABP, 2011).
É interessante pontuar que a Psicomotricidade já foi entendida como ciência encruzilhada, pois ao receber influências das ciências humanas, sociais, exatas e da saúde, constituiu-se como um mosaico de teorias e práticas, certas vezes, incoesas (COSTE, 1978). Contudo, a imensa maioria dos estudiosos do tema utilizam as mesmas palavras chave anteriormente mencionadas em seus conceitos e/ou definições. Cada um ao seu modo, fazendo prevalecer mais um ponto de vista em detrimento de outro, cada qual influenciado por sua visão particular de mundo e de ser humano no mundo.
Notadamente, o conhecimento tende a evoluir com o contraditório. Mesmo que essa evolução não seja linear com o passar dos anos, percebe-se que no caso específico da Psicomotricidade, após aproximadamente 140 anos de investigações e reflexões, a diversidade de discursos parece ter sido benéfica para o desenvolvimento epistemológico da área em questão.
Sabe-se que a educação psicomotora foi a vertente da Psicomotricidade que mais evoluiu com o tempo, porém não foi, não é e não será a única a existir, afinal ainda se faz reeducação e terapia psicomotora, inclusive em organizações profissionais legitimadas e legalizadas para tais finalidades em vários países. Profissionais de áreas diversas especializam-se em Psicomotricidade, atuando em escolas, clínicas, hospitais e demais espaços de educação e saúde mundo afora. Mas afinal, com todo esse quadro conceitual e operacional fragmentado, qual poderia ser o objeto de estudo da Psicomotricidade? Na tentativa um tanto ousada de buscar uma certa coesão de idéias, apresenta-se um norte com o seguinte raciocínio, pautado em uma visão de mundo e de ser humano no mundo ecológica e materialista dialética:

1- CORPO - Abordado como representação estrutural e simbólica, ou seja, um esquema corporal e uma imagem corporal;
2- MOVIMENTO -  ressalto, o movimento corporal humano investigado de forma geral e específica. Quanto as generalidades, esse movimento analisa-se pelo prisma da fisiologia, da antropologia, da biomecânica, entre outras ciências. Quanto a especificidade, esta embasada no fenômeno da intenção de movimento, ou seja, a motricidade humana. Neste ínterim, existe a emergência de demarcar a especificidade concernente aos fenômenos ditos inconscientes do movimento humano, portanto de um entendimento de movimento enquanto linguagem corporal, como expressividade psicomotora;
3- MUNDO INTERNO E EXTERNO - Constumeiramente referidos na literatura especializada, são tratados ou entendidos como manifestações da consciência corporal, de maneira que as coisas ditas do mundo externo são aquelas declarativas e conscientes, por outro lado, as coisas ditas do mundo interno, não declarativas, da dimensão do inconsciente.

Além dos três eixos epistemológicos acima descritos, cabe destacar a iminência do jogo. O lúdico como meio para operar o transito entre os dois mundos (interno e externo) e a construção do auto-conhecimento da pessoa por intermédio dos processos de aprendizagem.

Pode-se dizer que numa visão ecológica e materialista dialética de mundo, apesar da pessoa ser compreendida como unidade inacabável e indissociável no tocante as suas dimensões afetiva, cognitiva e motora e de suas inúmeras possibilidades de interação com o meio ambiente, esta unidade, aqui chamada de "Pessoa", possui um único dualismo. Não se trata mais dos ultrapassados mente versus corpo e/ou corpo versus espírito, mas sim da unidade corporal onde coexistem o racional e o irracional, ou seja, o conteúdo acessado pela consciência e o inacessível pela mesma, correspondentes ao esquema corporal e a imagem corporal respectivamente.
Para além da Psicomotricidade, na aventura de recriar e readequar uma linguagem científica independente, autônoma, invariavelmente haverá o encontro com as idéias propagadas pelo filósofo português Manuel Sérgio, afinal o mesmo defende uma ciência da motricidade humana voltada ao desenvolvimento da transcendência do homem (SÉRGIO, 1999).
Nesse sentido, acredita-se que a Psicomotricidade pode ser entendida mais apropriadamente ou aproximadamente como Ciência da Motricidade Humana, livre, independente, autônoma, bem como seu objeto de estudo deve estar centrado no movimento intencional humano. Contudo, não se pode abandonar as contribuições anteriores, atuais e futuras das outras áreas do conhecimento, pois assim como a "Pessoa" é algo inacabado, suscetível a mudança e a transformação, a ciência que se propõem a estudar o movimento intencional das pessoas, não pode se manter estanque e isolada.


Referências Bibliográficas:
COSTE, J. C. A Psicomotricidade. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
SÉRGIO, M. Um corte epistemológico: da educação física à motricidade humana. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE - SBP. A Psicomotricidade: definição. Disponível em: <www.psicomotricidade.com.br/apsicomotricidade.htm>. Acesso em: março de 2011.

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