Individualismo ou coletividade: eis a questão
Há alguns anos figurei linguagens sobre o esporte nacional na coluna de meu estimado amigo Carlos Mosquera. Na ocasião mencionei que não tinha mais vontade alguma para acompanhar o Futebol frente aos escândalos da máfia do apito, denunciada em 2003, onde os resultados das partidas foram manipulados para oferecer ganhos para um esquema de corrupção de apostadores de loterias esportivas.
Não sou ingênuo no que diz respeito aos processos políticos e econômicos vinculados ao jogo reinventado pelos ingleses e, pouco mais tarde, incorporado por nós brasileiros e outras nações como esporte de massa, das multidões. Sobre esse aspecto, estamos vivenciando um período de debate popular acerca de sermos os anfitriões da Copa do Mundo de 2014. Já há indícios de apropriação do que é público pelo que se diz privado, ou seja, daquilo que deveria ser de todos para pertencer a poucos. Isso nos faz lembrar o célebre Tom Jobim que, numa única frase, descreveu o Brasil para um estrangeiro embasbacado com o que via por aqui: --- “O Brasil não é para principiantes”. Afinal somos mesmo o país das grandes contradições e desigualdades, assim como a nação da diversidade e do multiculturalismo.
Sob o estandarte denominado “Pátria de Chuteiras”, sustentamos ainda um orgulho de sermos pentacampeões mundiais de Futebol, além de haver ícones do esporte na galeria da fama desse esporte que se transformou em paixão nacional, embrenhado em nossa cultura popular. Inclusive, vale ressaltar que a primeira conquista da seleção canarinho em 1958, com Pelé, Garrincha, Zagalo e companhia ilimitada foi descrita por um nobre cronista como o fim do estigma de “vira latas” do povo brasileiro.
Até aquele instante parece não ter havido nenhum outro acontecimento que fora capaz de causar o orgulho de ser “brazuca”, desde Santos Dumont, passando pela medicina de Carlos Chagas, até artistas como Portinari, Villa Lobos e outros tantos. É possível que muitos brasileiros não saibam quem foram estas pessoas, mas todos sabem quem é o “Rei do Futebol”.
O Brasil que produziu tantos astros no Futebol continua sua saga a espera de um salvador da pátria, um craque que nos lidere em grandes conquistas. Seria isso uma influência da cultura judaico-cristã? Não sei, mas o nome da vez parece ser Neymar do Santos Futebol Clube, inegavelmente um grande talento esportivo. Deposita-se com freqüência toda a esperança num único indivíduo capaz de operar milagres, deixando outros dez em campo como coadjuvantes na equipe.
Eis que numa aprazível manhã de domingo em Florianópolis, o fenômeno midiático global me possibilitou assistir pela TV aberta a final do Campeonato Mundial de Futebol de Clubes da FIFA. No dia 18 de dezembro de 2011 vi algo que me surpreendeu positivamente. Apesar de torcer pelo Santos que representava o Brasil, observei o time do Barcelona desfilar um espetáculo diante da equipe da baixada santista. Pouco antes desse evento acontecer, vários canais de TV no Brasil anunciavam em seus programas esportivos e intervalos comerciais um desafio entre Neymar e Messi. Parecia muito com publicidade de Boxe ou um duelo qualquer. Bem, isso deve ter servido a vários propósitos, inclusive provocar um maior número de pessoas para ver o encontro. Mas o que acabei constatando foi à supremacia do jogo coletivo sobre a individualidade. Aliás, é oportuno não esquecer que o Futebol é um esporte coletivo e que a individualidade das pessoas é algo importante e deve ser respeitado.
Durante a transmissão da Rede Globo de TV ouvi mais de dez vezes a palavra Filosofia. Outras tantas a filosofia aplicada nas categorias do clube catalão. Mas sem muitos detalhes ou aprofundamentos de sentido e compreensão do que aquilo se tratava. Após o jogo, no mesmo canal, um programa esportivo tecia explicação dessa tal filosofia, mas sempre omitindo fatos e simplificando informações, manipulando-as conforme seus valores e objetivos midiáticos. Constatei uma admiração e ao mesmo tempo uma certa perplexidade do narrador e dos comentaristas, um meio silêncio, talvez um solilóquio, onde ocorre aquela conversa interna. O que está acontecendo com o imbatível futebol brasileiro? Como é que o Neymar não conseguiu fazer seu jogo fluir? Cabe mencionar que em tempos de globalização, no time do Barcelona jogavam atletas brasileiros e brasileiros naturalizados espanhóis. Não tardou para que se questionasse: O que fazer para se jogar assim, bonito, eficiente e eficaz? Neste caso me pareceu que a estética do jogo do Barça esteve no jogo em equipe, no toque de bola, cerca de 63 minutos de posse de bola em aproximadamente 90 cronometrados.
Sejamos francos, espere aí, não sejamos “Francos”, em alusão ao ditador espanhol que esmagou pouco antes da segunda grande guerra, com a ajuda de Adolf Hitler, a região da Cataluña na Espanha, onde fica a incrível cidade de Barcelona, um dos núcleos da resistência do povo espanhol contra o nacionalismo de extrema direita e conservador. O tempo passou, as ideologias radicais e extremistas ficaram em cheque, mas aparentemente a tal filosofia dos sociais democratas continuou e foi incorporada ao seu clube de maior representatividade, o Barcelona, com mais de 180.000 sócios. Todos atacam com a bola, todos defendem sem a bola, todos passam a bola de pé em pé e em “pé de igualdade”. Mas não sejamos acríticos, afinal de contas, as sifras que movem o mundo da bola espanhol são altíssimas e desproporcionais, mesmo no próprio Barcelona, portanto a igualdade não está só, seu antônimo coexiste.
Não é mais tempo de se fazer apologias políticas e partidárias, pois no meu modesto entendimento não se cabe mais polarizações, mas preciso tratar de uma essência que ficou explícita no jogo do quase imbatível Barça, ou seja, a coletividade parece superar o individualismo. Analise, caro leitor, Leonel Messi na constelação de craques argentinos é apenas mais um jogador. No super time azul-grená ele é “o jogador”, é mesmo um dos melhores do mundo de todos os tempos. Anteriormente ao pleito, a imprensa nacional especulava que Neymar era mais completo que Messi, pois esse último só usava a perna “esquerda”. Que engraçada coincidência ideológica. Imaginem só se ele usasse bem as duas! De um lado, um super astro pop, bajulado, muito habilidoso, porém apenas um menino de tenra idade e olhar temeroso. Do outro, um canhotinho fenomenal, tímido e compenetrado fazendo seu time jogar “como música”. Esse último, assim como um ilustre maestro clássico que regia surdo (maestro incompleto) com sua batuta a orquestra, Messi apenas com sua perna esquerda fez gols e assistências geniais. Mas é preciso dizer que o Neymar é o menor culpado disso tudo, ele não necessariamente é aquilo que a mídia promove sobre a imagem dele. Isso é preciso deixar claro, pois ele não pode pagar sozinho pelos equívocos da publicidade e arcar com o fardo da derrota acachapante de sua equipe. Acredito que devemos rever a postura promocional em torno da expectativa de um grande “Messias” ou Messi para o esporte tupiniquim.
A mídia propaga que o esquema tático do time espanhol é novo, é um 3x7x0 inovador. Ao meu ver isso é um dos níveis de análise válidos para técnicos do esporte. Mas a respeito daquela difamada filosofia, mais profunda, a receita é antiga, é pré-histórica. Sem a união e coesão de grupo, sem um senso de comunidade unida em torno de objetivos comuns, nossos ancestrais hominídeos não teriam sobrevivido na luta pela vida em eras glaciais mortíferas.
Com tudo isso, posso dizer que fiquei contagiado e realimentei a esperança em minhas crenças sobre a importância do valor da coletividade no esporte e, por conseqüência, na vida em sociedade. Talvez em tempos de muitas crises éticas e econômicas, o jogo do Barça emerge como uma representação simbólica do que devemos buscar como possíveis alternativas para o nosso conturbado planeta. Que possamos todos cooperar, passar a bola de primeira e fazer os gols que tanto precisamos contra a miséria, a fome, a intolerância, o preconceito, a indiferença, a degradação do meio ambiente e tantos outros adversários do time da humanidade. Viva os ensinamentos do Barça!
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